Há muito se tem procurado definir o conceito de felicidade. Para os poetas, o momento epifânico da criação da poesia é o ápice da felicidade.Outros se sentem felizes ao adquirir cada vez mais bem materiais(felicidade momentânea , convenhamos). Cientistas não param de inventar pílulas milagrosas para estimular a tal felicidade, haja Prozac espalhado pelo mundo!

Mas quero hoje relatar uma cena que vi o verdadeiro conceito de felicidade. Vamos lá. Ritinha é uma menina meio russinha, com leves sardinhas na face e cabelo amarelado, um verdadeiro pixain. Deve ter por volta de nove, dez anos. Sempre me encontro com ela pelas ruas, mora à certa distância de casa, porém sempre nos esbarramos. Sei que tem problemas familiares, não cabendo aqui relatar. Além disso, não consegue acompanhar o ritmo de sua série escolar.
O fato é que devido a circunstâncias,soube que a menina é dada a responder com verdadeiros palavrões a qualquer um que pratique o ato de insultá-la. Acontece que mesmo com toda esta proeza revolta que a afasta dos amiguinhos, confesso que vou com a cara da criança, que andou até me pedindo algumas aulas particulares, prometi que ia cumprir com o gesto educacional, mas até hoje ainda não defini horário para ensiná-la, fato que cobro de mim neste instante.A realidade é que sempre encontro com a menina pelos caminhos , e me pede alguma coisa: uma bala ou algo qualquer.Noto que tem uma imaginação forte, conta histórias mirabolantes, talvez devido a certa carência.Acabou no final das contas que, desde o início, trocando monólogos, acabei depois me acostumando com Ritinha, e sempre que some, procuro saber informações a respeito.

Pois bem, dias destes, encontrei com a garota, com um leve batom na boca, estava bem mais arrumadinha do que de costume, e detalhe,havia feito chapinha no seu cabelo.Com uma franja enorme, cabelo provisoriamente liso, fazia questão de balançá-lo na certeza de que todos estavam vendo seu novo visual.Ciente de que esperava um comentário meu , fiz de desentendida. A danadinha, com as mãos no cabelo, logo veio perguntando se eu tinha algumas balas, pois deve saber que sempre costumo carregar em minhas bolsas. Não tinha balas. Muito educada comigo, agradeceu e começou a falar sobre sua sala de aula, um pretexto para dar tempo de elogiar seu novo visual. Vendo que tinha cessado todos seus argumentos para prender meu tempo, na esperança do elogio, desarmo então. Disse que seu cabelo estava diferente, a franja estava maior do que a minha, elogios que a pueril Ritinha esperava ouvir.Após o episódio, ela sai balançando novamente o cabelo, feliz.Sem mais a contar! “Felicidade são horinhas de descuido” como já dizia Guimarães Rosa.

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