“Tenho apenas duas mãos e o sentimento de mundo”, Como afirmou Drummond e é com todo esse sentimento de mundo que envolve beleza, entusiasmo e contemplação que escrevo esta crônica...
Estava eu passeando num sábado de manhã, um dos meus prazeres prediletos (gosto da simplicidade das coisas), levando comigo minha sobrinha Sofia, por sinal uma menina espirituosa, com certa tendência futura às artes. Ela com seus quase seis anos, pulando pela calçada,quando encontra num jardinzinho próximo ao mercado Municipal,uma dessas florezinhas que soltam pelinhos (não sei como se chama). Como boa mineirinha que é já presa aos costumes dos e ditos populares, me pergunta aristocrática, saindo do estado pueril em que se encontrava:
Tia Nise, se eu assoprar os pelinhos e eles voar,mesmo fazer um pedido?
Aquilo me faz acionar minha memória afetiva (com licença, Brandão, mas gostei da expressão), voltei a minha infância, onde o sonho reina no coração, me emocionei. Perto de minha casa, próximo à linha do trem, havia tanto dessas florzinhas, junto com a dorme-dorme, aquela folhinha que a gente toca nela e ela murcha, como se fosse o toque de uma varinha de condão, eram as nossas brincadeiras preferidas, ficávamos extasiadas!Mas voltando ao presente, sorri e disse que sim, que poderia ela fazer o pedido. Tenho por lema nunca podar o momento mágico de uma criança (alias, nem dos adultos quando se permitem demonstrar tais peculiaridades que julgam imbecis, pessoas “grandes” não podem ter esse tipo de pensamento, a sociedade não permite), ai que raiva que tenho das professoras que dizem que Papai Noel não existe. Sofia fica entusiasmada e resolve expor seus dilemas mais profundos de criança comigo:






E se eu vir a estrela cadente, ela vai realizar meu pedido que fizer? Segundo os cientistas, “as estrelas cadentes são fenômenos luminosos produzidos pela entrada na atmosfera terrestre de um conjunto de meteoróides que surgem quase simultaneamente e parecem provir da mesma região do céu dando a impressão de uma chuva de estrelas”. Para mim, é uma figura poética, que atende literalmente o pedido das pessoas que tem bom coração. -Digo que sim, e rapidamente me interrompe inebriante:
_Você já pediu alguma coisa pra ela e foi atendida?-Aquela conversa tão franca e linda de minha sobrinha, um dos momentos em que Ágape (segundo os místicos, o Amor que devora) incendiou minha vida. Respondi que a estrela já havia atendido um pedido meu.
_Então me conta como foi, que eu conto o que pedi pra ela esses dias (ô menininha esperta!).
_ Pedi um serviço e consegui, a estrela cadente me ajudou. -Foi o que me veio na cabeça naquele momento e eu estava feliz, sim, com meu emprego. - Ainda para incrementar o clima de cumplicidade criado, digo que aquilo (a conversa) era um segredo só nosso, se ela contasse a mais alguém, a estrela não realizaria mais os desejos.
_Tia, sabe o que pedi pra ela?
_O que foi Toquinho (apelido carinhoso).
_Eu pedi pra ela que eu quero voar, eu vou conseguir?_ Eu não podia decepcionar aquela pequena serzinha na minha frente, mas confesso que me senti impotente e ignóbil ante aquela pergunta tão simples e complicada, como responder sem demagogia?Comecei a coçar a cabeça, cacoete que tenho quando fico embaraçada. Então sutilmente me veio uma resposta na mente:
_Olha, Papai do Céu só deu asas para os passarinhos, mas você pode voar de avião, de asa delta, de balão e ver as nuvens bem de perto. -Será que a resposta foi convincente...?Bom, ela pareceu satisfeita:
_Então vou pedir pra minha mãe me levar pra andar na asa delta, quero muito voar. - E calou-se com um brilho no olhar...
Aquele sábado de primavera pareceu ganhar mais vida, o azul do céu tornou-se ainda mais puro as flores sorriam para mim (ou será para ela? Para ambas, para o mundo...). É impressionante como uma conversa com uma criança (pequeno anjo) renova o céu presente dentro de nós, céu muitas vezes nublado por não prestarmos atenção aos pequenos detalhes que fazem a diferença.
Voarás sim, linda Sofia, de avião, de asa delta, dos meios aéreos que existem e irás desbravar o horizonte, porém o mais importante: sabes voar para os mais lindos lugares de seu coração, já tens a alma de uma poetisa e tudo lhe será realizado. E seguimos nós duas, inefávicas, com nossos segredos e a estrela cadente por testemunha.

Crônica retirada do meu livro: Riquezas do Interior
Crônica circulante no Projeto: Leitura no ônibus, da cidade de Três Corações.M.G.