Estava no meu quarto, lendo um livro. Paro, começo a pensar na vida...Tomada por instantes de devaneios, que acredito, todos escritores  devem ter, começo a observar em minha volta. Olho para um ponto fixo do guarda-roupa, levanto, caminho para a cozinha para tomar um copo de água, noto que à medida que vou me aproximando do guarda-roupa, o que observava antes do quarto, de longe, vai ficando maior, e mesmo ficando para trás, à medida que me aproximo, o loco se torna maior, e e o resto vai ficando para trás. Física pura e não cabe a mim descrever os parâmetros do ângulo.E todo mundo sabe que cada vez mais que vai se aproximando do objeto, logicamente ele ficará maior. Estou louca? Não. Aproveitei este meu instante de observação para escrever sobre o ato de enxergar. Ver e enxergar , embora sinônimos, podem ser atos diferentes.

O Principezinho já disse que o essencial é invisível aos olhos. Pena o pequeno ter ficado tão pouco tempo em nosso planeta, quem sabe com suas lições o mundo seria melhor. Existem aqueles que enxergam, mas não querem ver, preferem viver em seu mundo e aceitar as condições que lhe são proporcionadas, ficando na eterna mesmice. Outros enxergam demais, buscando chifre em cabeça de cavalo, como se dia ainda no interior de Minas. Alguns, acho que me encaixo nestes, analisam os fatos por vários ângulos, talvez em meu solene caso, efeito do duplo sentido das aulas de Língua Portuguesa.

José Saramago, em seu belíssimo Ensaio sobre a Cegueira, nos faz lembrar da “responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam".Saramago enxergava com a alma, nos proporcionando momentos de leitura majestosamente retórica com suas audaciosas vígulas. Sua visão era ampliada a todos que quissessem penetrar em seu modo de pensar.O filósofo e poeta Bachelard enxergava na chama da vela o reduto da familiaridade.Um camponês enxerga a felicidade após um dia de colheita, voltando para seu tegúrio e saboreando uma fulmegante sopa no jantar.Políticos corruptos indubitavelmente enxergam só o próprio umbigo , impedindo a visão dos menos favorecidos.

Mozart nos faz querer enxergar com sua música o intocável horizonte, ultrapassando os limites do céu-mar.Van Gogh nos faz enxergar a rica singeleza dos seus quadros, transpondo-nos emoções. A natureza exuberante nos convida a enxergar a primorosidade flores. Já viram algo mais lindo que os ipês carregadinhos verdadeiros tapetes suspensos, ou a rústica apresentação da tímida orquídea?Muitos já viram, mas não enxergaram.

Se alguns, mesmo com todo os problemas,consegue ultrapassar seus limites, fazendo do momento uma eterna dádiva, outros  só enxergam as nuvens escuras da efêmera vida...Afinal, realmente, exergar é para raros.Não deixemos que a cegueira nos atinja.