É Janeiro, chove como todos os Janeiros chovem; apesar de gostar de chuva, estou entediada, quero sair, andar, jogar pensamento fora, como diz um cronista que me fugiu o nome agora, observar pessoas, esvaziar a mente para criar histórias. Chove, o Rio Verde sobe aqui em Três Corações, da minha janela na  frente de casa o vejo, vem subindo devagar, dando chance as pessoas de retirarem seus pertences.Sobe cabisbaixo, com vergonha deter de cumprir seu destino.Há maiores catástrofes neste Brasil afora. O Rio Verde... ficava lá embaixo, da janela   dava pra ver somente sua margem, porém sabia que ele estava ali,taciturno em seu leito.Faz dois dias que precisou sair, talvez não por culpa dele, mas dos desmatamentos, da poluição. Já espantou alguns de suas  casas, queira Deus que ele volte logo a correr tranquilamente com suas águas, chega de subir. Mas não posso ficar pensando no rio subindo.

Vou arrumar minhas gavetas, meus papéis, minhas roupas, que é o que faço quando quero desviar meus pensamentos, já escrevi sobre isto antes; vejo que não visto mais algumas roupas, coloco-as em uma sacola, alguém precisará delas mais do que eu, por que as pessoas precisam de tantas roupas? Reflito...Parto agora para as gavetas, meus papéis , meus pequenos tesouros, minhas fotos, vou acumulando papéis. Resolvo tirar, jogar um pouco fora, observo que sou apegada em papéis, mas é porque em recortes vou construindo minha história. O processo de limpeza é fantástico, pelo menos em mim, vou pensando na vida, acho que é assim com todos. Pessoas, pessoas que de certa forma não ficaram em minha vida, não entendo, portanto, não quero entender; outras que passaram, outras que nunca me marcaram...Ah, e as pessoas que permanecem , estas devo zelar, cuidar, manter, cativar...Sei que as vezes sou osso duro de roer, minha amiga disse que as pessoas ou me amam ou me detestam devido a minha teimosia, mas nasci assim, mudar é difícil, mas estou tentando, esta mesma amiga diz que o que me salva é a minha fidelidade as pessoas. Ponto de consolo para mim. Defendo-me com Clarice Lispector:
Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar.
Mas Clarice era Clarice, sem comentários.Não entendo porque resolvi escrever sobre isto, efeito da chuva, marasmo de ficar em casa, agonia por ver o rio subir? Uma forma de desabafo. Não sei...A chuva continua.

Madrugada adentro, a chuva para, entre caminhões do Exército tirando os pertences das pessoas nos cantos da cidade, não consigo dormir. Abro a janela, uma única estrela brilha, um outro dia está a nascer.Rio verde, volte ao seu leito.