Confesso que fiquei abismada ao ouvir um repórter policial relatar a seguinte notícia: "Trombadinha rouba supermercado". Ora, mesmo com a maioridade do estatuto da Criança e adolescente, lei nº 8.069, sancionada em 13 de Julho de 1990, ainda deparamos com comentários pré-conceituosos como este. O menino havia pegado várias guloseimas...Não é questão de passar a mão na cabeça não, é questão de direitos, afinal as políticas públicas estão ai para ajudar a resolver esta triste situação. Como alguém ainda pode se referir a uma criança, ou adolescente, como trombadinha nos dias de hoje, em meio a tantas questões sociais já existentes?




O ECA frisa que quando uma criança comete um ato infracional, o que foi o caso acima, ele tem todo direito à intervenção estatal, o que acredito, também, tentar manter sua dignidade, e não ser alcunhado de nomes revoltosos que o incitem ainda mais à prática de atos ilícitos. A Constituição desde 1988 reestrutura as políticas sociais, expandindo inclusive os direitos humanos. Existem ainda muito a ser trabalhado, mas dentro do possível, encontramos sim, bons locais que trabalham a família destas crianças. O que temos de oferecer são as chances e os meios de recuperação .
Quando trabalhava em um emprego que lidava com crianças e adolescentes, aconteceu de um belo dia eu ter de acompanhar um menino que havia cometido um pequeno furto até um órgão público de defesa.O menino já era, infelizmente, conhecido na cidade. Por volta de seus 11 anos, até esperar o responsável, estava conversando com o referido garoto, nisto ele estava brincando com as cortinas do local, estas cortinas persianas que abrem e fecham separados por compartimentos divididos em gomos. Me lembro ainda hoje, suas palavras:- Olha tia, quantos pedaços de cortina a senhora ( sim, tratava- nos com todo respeito) acha que tem aqui ? -Eu já contei, adivinha... Mirei os olhos naquele ser frágil, que por situação inconstante tinha que parecer forte da pior maneira para sobreviver e mesmo ganhar respeito no mundo em que vivia.
E ele fez com esmero a cortina acinzentada seu doce brinquedo. Conheci a face de um menino que já tinha de se defender como um homem. Detalhe, que a família do garoto se recusava a melhorar, o desfecho da história, não me convém dizer, mas aquela cena, certamente ficará em minha memória. O que existia por trás daquele menino-homem? Eis a questão. Muitos falam que isto não é desculpa, mas julgar assim é tão fácil, sem conhecer a realidade.
Ressalto que ainda falta muito para que a legislação seja cumprida integralmente, esbarramos ainda em muitas barreiras, faltas de recursos, burocracias, mas cada um fazendo sua pequena parte, com certeza será possível corrigirmos nossas crianças e adolescentes, sobretudo através do amor, e não do desprezo.