Falar sobre o feminino nos contos de fadas é uma tarefa complexa, devido à força da mulher na trajetória da oralidade. Sempre o papel da tagarelice coube à mulher, desde os primórdios. Através de sua língua foi sentenciado o pecado original, no momento em que Eva incentivou Adão a comer a maçã, episódio bíblico que marca a história da humanidade.
Com o passar do tempo, a boa avó assumiu o papel da mulher tagarela, inspirada na imagem de Santa Ana. Ela era o refúgio, a acolhida ao redor do fogo, o aconchego em ouvir histórias despertando a curiosidade não só em crianças, mas também da elite da época. O papel dos contos antes mantido pelas amas faladeiras conquista agora em pleno século XVII os requintados salões. Mesmo sendo criticados por alguns, considerando-os, medíocres, os contos acabam ganhando prestígio por aqueles que entendiam seu significado e beleza.
E assim eles permaneceram até os dias de hoje, atravessando gerações em muitas versões, mas dentro de uma só base, tornando-se imortais através de escritos e principalmente pela oralidade.
Em meio a tantos contos, início dessa forma uma análise sobre chapeuzinho vermelho em algumas versões enfatizando o simbolismo existente na historinha da bela menininha, que ainda encanta a todos.
Antes de qualquer coisa, uso como referência a parábola do Filho Pródigo, em Lucas capítulo 15, versículo 11 a 32. Parábola onde um filho depois de sair de casa e gastar toda sua herança, reconhece, através da perda de seus bens materiais que perderá também todo seu valor interior. Foi preciso que ele passasse por provações no mundo lá fora para que resgatasse seus valores, o que geralmente acontece com as personagens dos contos de fada. Antes de realizarem seus objetivos, é preciso que passem por vários obstáculos, atingindo no final a vitória.
Tomei desta parábola para falar da desobediência, o início da trajetória de Chapeuzinho Vermelho, segundo as versões mais citadas. Ao contrário do conto de Perrault, onde ninguém adverte Chapeuzinho ao se desviar do caminho, sendo sua versão ,infelizmente, somente de significado moral, onde a menina acaba sendo desvalorizada pela sua inocência. As outras histórias começam com a mãe advertindo Chapeuzinho a não se desviar do caminho. Chapeuzinho não por maldade, mas instintivamente desobedece.


Em uma versão remota, Capinha Vermelha come a carne da avó e bebe seu sangue, apesar de vozes advertirem na a não fazer uso. Ela comete o ato do canibalismo sem saber que estava comendo e bebendo dos restos de sua querida avozinha. É o sentido da desobediência, excitante em todos nós. A eterna formação de um ideal de Ego em oposição ao Id. O ego tenta advertira menina através da consciência, mas o impulso é maior, e ela cede sem pensar nas conseqüências.
Através da desobediência, Chapeuzinho cruzou o caminho desconhecido, a adolescente se depara coma realidade, mas ainda permanece o receio de menina. A força feminina representada pela mãe, e que a havia alertado sobre os perigos do caminho não pode ajudá-la, a floresta é voraz, o teto da casinha confortável não vai protegê-la para sempre. Para aprender é necessário ser persistente, ousar experimentar, saindo da estrada afora, desviando do caminho certo “CHAPEUZINHO VERMELHO ABRA BEM OS OLHOS. VEJA QUE FLORES LINDAS... PORQUE VOCÊ NÃO PRESTA ATENÇÃO NAS COISAS QUE ESTÃO EM VOLTA DE VOCÊ”. Liberta-se, porém para o mundo é difícil, cortar o cordão umbilical é doloroso. É necessário ter muita força interior.


Numa das versões dos irmãos Grimm, o caminho da desobediência ressalta no fato dela ser devorada pelo lobo. Chapeuzinho não se entrega facilmente ao lobo, que é toda sedução, suas perguntas despertam a curiosidade em relação ao uso, não o ato em si. O momento em que fica na barriga do lobo foi um breve momento de sono, onde adquire consciência própria de suas ações. Dali surgiria uma nova menina, livre de conceitos pueris.