Estou relendo Murilo Rubião. Não é raro ouvir nos dias corridos de hoje interjeições reclamativas. Acho que virou clichê esta ânsia de reclamar perante as frustrações do cotidiano. Sentimo-nos insatisfeito com tudo. E ai da pessoa que não se encaixa neste perfil, é considerada louca. O que, felizmente, acho que é meu caso. Confesso que já tive dias perpétuos onde só sabia reclamar da fila do banco, da família, do serviço, dos amigos, da fértil chuva que caía, fato este que estava se tornando crônico. Já diz o psicanalista Rubem Alves que somos os únicos seres que não estamos contentes com o que somos. Por isso, estamos infelizes e doentes.
Pensei: eu não sou assim, onde foram parar minhas convicções, meu Tempo de Delicadeza
[1] que sempre recomendava aos nervosos de plantão? Não digo que pretendo virar uma mártir, mas na medida do possível estou vivendo o epifânico Carpe Diem dos latinos, que posteriormente os árcades adotaram (embora saibamos que na íntegra havia todo um contexto político, mas isso deixo para os amantes da Literatura), e intrinsecamente, estou obtendo bons resultados com este meu comportamento.


Mas comecei a escrever esta crônica, falando que estou relendo Murilo Rubião, um grande escritor mineiro, que se destacou na literatura fantástica brasileira, um exímio contista, que apesar de pequena sua obra, é de insubstituível valor. Sou apaixonada pelo conto “O ex-mágico da Taberna Minhota”, onde, um dia um homem se depara com cabelos grisalhos no espelho da Taverna Minhota o foco da narrativa. Que perfeição na escrita, embora eu queira discutir aqui não a forma estilística, sendo digna de várias teses. E sim, quero falar da grande lição de vida que é o citado conto.


Observem bem o início do conto “Hoje sou funcionário público e isto não é o meu desconsolo maior”. Quer dizer, são vários os seus desconsolos; o pobre funcionário público confessa que foi atirado à vida sem pais, infância ou juventude. Nascera cansado e entediado. Tédio, palavra ingrata esta. O fato é que o tal mágico é frustrado, não se satisfaz com nada. Tudo bem, foi atirado na vida; devia, porém, fazer dessa condição crucial uma motivação para superar e vencer na vida, afinal, possui habilidades extras. Consegue tirar coisas de seu bolso, sair pássaro de seu ouvido, aparecer objetos num simples sacolejar de mãos, numa perfeita estranha sintonia homem-objeto. Apesar de estranho, é um dom que deveria aprender a usar, e ao contrário, vive estagnado..Perante à tanta frustração na vida, tenta em vão se matar. Até que soube em meio ao acaso, que ser funcionário público, era suicidar-se aos poucos. Resolve exercer esse ofício, quem sabe a morte, certeira, não tardaria ao seu encontro. É fado. Seus poderes como mágico some em meio ao descaso da burocrática papelada e colegas taciturnos, sente saudades da época que, indiferente, conseguia arrancar risos das criancinhas. Vive procurando por seus poderes, mas sabe que o mágico nunca mais retornará.


Quantos de nós não nos sentimos frustrados ante um pequeno acontecimento, não é a toa que a depressão foi e é considerado o grande mal da sociedade moderna. Quantos de nós não nos sentimos aborrecidos ante um pequeno acontecimento, reclamando sempre do sol da vida. Busquemos as coisas simples da vida, há tempos os grande sábios tentam nos passar esta máxima.Sintamos felicidade com nossa família, com um livro, com a suave música da natureza. Lembremo-nos dos doentes de hospitais, que não podem tirar pequenas “tralhas” de seus bolsos. Reconheçamos nossas mágicas diárias.




[1] Tempos de Delicadeza-livro de crônicas de Affonso Romano de Sant`anna, recheado de ternura, onde o autor delicadamente trata de assuntos corriqueiros da vida com o olhar demorado e singular da poesia